Suicídio e Seguro de Vida: Prazo de Carência de 2 Anos e Direitos

Enfrentar a perda de um ente querido por suicídio é uma das experiências mais dolorosas e complexas que uma família pode viver. Em meio ao luto, à confusão e a uma dor que palavras mal conseguem descrever, ter que lidar com a burocracia de um seguro e, pior, receber uma negativa de cobertura, pode parecer uma crueldade sem tamanho. A seguradora, ao levantar questionamentos sobre o ato, pode involuntariamente aprofundar feridas, transformando um processo que deveria ser de amparo em uma fonte de mais sofrimento. É um momento em que a família precisa de silêncio, respeito e apoio, mas se vê forçada a entrar em uma arena de disputa, questionando a validade de um direito que parecia inquestionável.

Ciente da extrema sensibilidade do tema, a legislação brasileira e a jurisprudência dos nossos tribunais evoluíram para criar uma regra clara e objetiva. O objetivo é nobre: proteger a dignidade da família e a memória da pessoa que partiu, evitando que os beneficiários sejam submetidos a investigações invasivas e discussões subjetivas sobre a “premeditação” do ato. A lei reconhece a vulnerabilidade da família e opta por protegê-la, colocando um ponto final em discussões que poderiam se arrastar por anos, perpetuando a dor.

No escritório Nunes Advogados, abordamos este tema com o máximo respeito e a mais firme convicção técnica. Nossa missão é garantir que a lei seja aplicada em sua forma mais protetiva, assegurando que os direitos dos beneficiários sejam honrados sem que sua dor seja amplificada.

 

A Regra Objetiva: O Prazo de Carência de 2 Anos Como Linha de Corte

A questão da cobertura em caso de suicídio é resolvida de forma direta pelo Artigo 798 do Código Civil, cujo entendimento foi reforçado e pacificado pela Súmula 610 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Juntos, eles estabelecem uma “linha de corte” temporal, um prazo de carência que serve como único critério para a decisão da seguradora. Essa regra foi criada para trazer um equilíbrio: de um lado, desestimular a contratação de um seguro com o intuito de fraude; de outro, garantir a proteção dos beneficiários de boa-fé após um período razoável.

Art. 798, CC: O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato…

Súmula 610, STJ: O suicídio não é coberto nos dois primeiros anos de vigência do contrato de seguro de vida, ressalvado o direito do beneficiário à devolução do montante da reserva técnica já formada.

Vamos traduzir o que essa regra significa na prática, de forma clara e direta:

Se o suicídio ocorre DENTRO dos primeiros 2 (dois) anos de vigência da apólice: A lei estabelece uma presunção absoluta (que não admite prova em contrário) de que o seguro pode ter sido contratado com a intenção de fraudá-lo. Neste caso, a seguradora não é obrigada a pagar a indenização principal (o capital segurado). No entanto, a família não sai de mãos vazias. Ela tem o direito garantido de receber de volta todo o valor pago que compôs a reserva técnica da apólice, que funciona como uma espécie de “poupança” vinculada ao contrato. Trata-se de um reembolso, não da indenização completa, mas é um direito que deve ser exigido.

Se o suicídio ocorre APÓS o segundo ano de vigência da apólice: A cobertura da indenização é integral e obrigatória. Ponto final. A lei entende que, após um período tão longo, não há mais como se sustentar a tese de premeditação para fraudar o seguro. A discussão se encerra na análise do calendário. Não importa o estado de saúde mental do segurado, suas circunstâncias financeiras ou qualquer outro fator. A lei fez uma escolha pela objetividade para proteger a segurança jurídica e a paz da família.

 

A Discussão sobre Premeditação é Irrelevante e Proibida

Este é o ponto mais importante e que serve como um escudo para a família. A regra dos 2 anos é objetiva. Isso significa que, após esse prazo, a seguradora está proibida de negar a cobertura sob a alegação de que o ato foi premeditado. Ela não pode e não deve iniciar uma investigação sobre o estado de saúde mental do segurado, suas finanças, seus últimos atos ou conversas para tentar provar que ele planejou o suicídio.

Essa proteção legal foi criada exatamente para poupar a família de um segundo trauma: ter a vida e a memória de seu ente querido devassadas em um processo doloroso e humilhante. A lei fez uma escolha: entre o interesse financeiro da seguradora em investigar e o direito à dignidade da família em luto, ela optou por proteger a família. Tentar contornar essa regra não é apenas uma tática de má-fé por parte da seguradora; é um ato ilícito que pode, inclusive, gerar o dever de indenizar a família por danos morais, além do pagamento do próprio capital segurado.

Portanto, se o falecimento ocorreu após o prazo de carência de dois anos, qualquer negativa da seguradora é manifestamente ilegal e constitui uma afronta direta à lei e à jurisprudência pacificada do STJ.

Pontos de Atenção e Estratégia de Defesa

Mesmo com uma regra tão clara, é preciso atenção a detalhes que podem ser explorados pela seguradora para tentar, de forma indevida, se esquivar de sua obrigação. Uma defesa bem estruturada deve antecipar esses pontos.

Contagem Precisa do Prazo: O prazo de 2 anos começa a contar da data de início de vigência da apólice, que geralmente consta no documento. É fundamental verificar essa data com precisão. Em apólices coletivas, pode ser a data de adesão do segurado ao grupo. Em caso de portabilidade ou migração entre apólices da mesma seguradora, argumentamos que o prazo da apólice original deve ser considerado, evitando que a contagem seja reiniciada de forma prejudicial ao consumidor.

A Questão da Recondução da Apólice: O Art. 798 também menciona “recondução depois de um ano suspenso”. Isso se aplica a casos raros em que o seguro foi suspenso (por falta de pagamento, por exemplo) por um longo período e depois reativado. A seguradora pode tentar argumentar que a reativação inicia um novo prazo de carência. Nossa defesa é que a reativação, se feita dentro de um prazo razoável, apenas restaura o contrato original, mantendo a contagem do prazo de carência já decorrido. Uma análise contratual detalhada é necessária para combater essa tese.

Exigência da Reserva Técnica: Caso o evento tenha ocorrido dentro do prazo de carência de dois anos, é um direito absoluto do beneficiário receber a devolução da reserva técnica. Muitas vezes, essa informação não é oferecida de forma proativa pela seguradora, ou é tratada como um “favor”. Não é. É uma obrigação legal. O valor deve ser formalmente solicitado, e a seguradora deve apresentar o cálculo detalhado de como chegou àquele montante.

Se a sua família está enfrentando uma negativa de cobertura em um caso de suicídio ocorrido após os dois anos de carência, saiba que a lei está do seu lado. Nossa atuação é imediata e firme: notificamos a seguradora para que cumpra sua obrigação legal sob pena de uma ação judicial que buscará não apenas o pagamento da indenização corrigida monetariamente e com juros, mas também uma reparação por danos morais decorrentes da recusa abusiva e do sofrimento adicional imposto à família. A sua dor merece respeito; o seu direito exige defesa.