Seguro RCTR-C: Disputas, Cobertura e Defesa do Transportador

Para toda empresa que opera no transporte rodoviário de cargas no Brasil, o Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador (RCTR-C) não é uma opção; é uma exigência legal, a base sobre a qual toda a operação é construída. Ele é o seguro obrigatório, o alicerce que deveria garantir a tranquilidade da transportadora ao assumir a responsabilidade pela mercadoria de terceiros. Sua finalidade é clara e fundamental: reembolsar a transportadora pelas indenizações que ela seja obrigada a pagar por danos causados à carga em decorrência de acidentes rodoviários.

No entanto, o que deveria ser a proteção mais sólida e inquestionável, muitas vezes se revela um campo de batalha complexo e desgastante. Quando um acidente acontece – uma colisão, um tombamento, um incêndio –, a transportadora espera que o RCTR-C cumpra seu papel. Mas é comum que a seguradora apresente uma série de argumentos técnicos para negar a cobertura, tentando transferir a culpa pelo evento para a própria transportadora ou para o embarcador. De repente, o seguro obrigatório parece opcional, e a empresa de transporte se vê diante de um prejuízo milionário e de uma crise de confiança com seu cliente.

No escritório Nunes Advogados, compreendemos que uma disputa envolvendo o RCTR-C atinge o cerne da operação logística. Não se trata de uma apólice acessória, mas da garantia fundamental do negócio. Nossa atuação é focada em defender a transportadora contra interpretações abusivas e garantir que a obrigatoriedade do seguro se traduza em proteção efetiva.

Desmistificando o RCTR-C: O que a Cobertura Obrigatória Realmente Garante?

Para se defender, é preciso primeiro entender com precisão o escopo da cobertura. O RCTR-C não é um seguro “para a carga”; é um seguro “para a responsabilidade” da transportadora sobre a carga. Ele garante o reembolso de indenizações pagas a terceiros (os donos da mercadoria) por perdas ou danos sofridos pela carga, desde que esses danos tenham sido causados diretamente por um acidente com o veículo transportador.

Os eventos cobertos são específicos e ligados ao trânsito:

  • Colisão e/ou capotagem e/ou abalroamento e/ou tombamento do veículo.
  • Incêndio ou explosão no veículo.

É crucial entender o que NÃO está no escopo padrão do RCTR-C: roubo, furto, estelionato ou qualquer forma de desaparecimento da carga. Para cobrir esses riscos, a transportadora precisa contratar uma apólice separada e facultativa, o RCF-DC (Seguro de Responsabilidade Civil Facultativo por Desaparecimento de Carga). A confusão entre as duas apólices é uma fonte comum de problemas e frustrações, e as seguradoras, por vezes, se aproveitam dessa confusão.

As Teses de Negativa da Seguradora: Onde a Disputa Começa

Mesmo em casos de acidentes claros e documentados, a seguradora pode tentar negar a cobertura do RCTR-C com base em diversas teses que buscam descaracterizar sua responsabilidade. Uma defesa robusta precisa estar preparada para desconstruir cada uma delas.

  • A Tese do “Mau Acondicionamento” ou “Culpa do Embarcador” Alegação da Seguradora: A carga sofreu avarias no tombamento porque estava mal acondicionada no caminhão, com lastro mal distribuído, ou porque a embalagem fornecida pelo embarcador era inadequada para o produto. A seguradora alega que a causa primária do dano não foi o acidente em si, mas uma falha prévia do embarcador ou da própria transportadora ao aceitar a carga. Nossa Estratégia de Defesa: Esta tese busca inverter a responsabilidade. Nossa defesa argumenta que o dever da transportadora de fiscalizar o acondicionamento é limitado, especialmente quando recebe cargas lacradas ou paletizadas. Presume-se que o embarcador, especialista em seu produto, o preparou adequadamente para o transporte. Mais importante, o acidente (a colisão, o tombamento) é o evento que materializa o risco coberto e potencializa o dano. Sem o acidente, a avaria por um eventual mau acondicionamento talvez não ocorresse ou seria mínima. O ônus de provar que a embalagem era a causa única e exclusiva do dano é da seguradora, uma prova extremamente difícil. Argumentamos que o acidente foi, no mínimo, a causa principal (concausa principal), o que atrai o dever de indenizar.
  • A Tese da “Culpa Grave” ou “Agravamento do Risco” pelo Motorista Alegação da Seguradora: O motorista agiu com imprudência grave (excesso de velocidade comprovado por tacógrafo, desrespeito a sinalização, jornada de trabalho excessiva) e essa conduta foi a causa determinante do acidente. A seguradora alega que o transportador, através de seu preposto, agravou o risco de forma intencional, o que excluiria a cobertura. Nossa Estratégia de Defesa: Esta é uma das teses mais combatidas e rechaçadas pelos tribunais. O seguro RCTR-C existe exatamente para cobrir a responsabilidade civil da empresa por atos de seus funcionários e prepostos. A simples culpa do motorista pelo acidente de trânsito (negligência, imprudência ou imperícia) está dentro do risco coberto pela apólice. A exclusão da cobertura só poderia ocorrer em casos de dolo, ou seja, se a seguradora provar que o motorista agiu com a intenção deliberada de causar o acidente e o dano, o que é uma situação raríssima e de prova quase impossível. A “culpa grave” não se confunde com o “dolo”. A defesa, aqui, é reafirmar a natureza do seguro de responsabilidade civil, que ampara o segurado justamente contra as falhas humanas de sua operação.
  • Disputas sobre o Valor da Indenização (Apuração de Danos) A Disputa: A seguradora concorda em pagar a indenização, mas oferece um valor muito abaixo do que consta na nota fiscal da mercadoria. Ela pode alegar depreciação do produto, se recusar a cobrir custos acessórios (como o de salvados, destruição da carga danificada ou o frete que deixou de ser pago) ou aplicar franquias e participações de forma abusiva. Nossa Estratégia de Defesa: A indenização, no seguro de responsabilidade civil, deve ser completa, visando reparar integralmente o prejuízo causado ao terceiro (o dono da carga). A base para o cálculo deve ser o valor integral da mercadoria constante na nota fiscal e no conhecimento de transporte. Atuamos com peritos e liquidadores de avarias para produzir um laudo de apuração de danos independente, contestando as glosas indevidas da seguradora e exigindo que todos os custos diretos e indiretos decorrentes do acidente sejam incluídos na indenização, sempre respeitando o Limite Máximo de Indenização (LMI) previsto na apólice.

A Relação com o Seguro do Embarcador e a Sub-rogação

Muitas vezes, o dono da carga (embarcador) possui seu próprio seguro de transporte nacional. Após o acidente, ele aciona sua própria seguradora, que o indeniza rapidamente. O que acontece em seguida é o que chamamos de sub-rogação: a seguradora do embarcador “veste os sapatos” de seu cliente e passa a ter o direito de cobrar o prejuízo da transportadora, que foi a causadora do dano.

É nesse momento que o RCTR-C se torna a principal linha de defesa da transportadora. A ação de regresso da seguradora do embarcador será direcionada contra a transportadora, que, por sua vez, acionará sua apólice de RCTR-C para cobrir essa indenização. Ter uma apólice de RCTR-C robusta e contar com uma assessoria jurídica que saiba como operá-la nesse “sinistro de gabinete” é fundamental para proteger o caixa da empresa.

O RCTR-C é a sua proteção legal mínima, mas sua operação em um sinistro é tudo, menos simples. Garantir que ele funcione quando necessário, seja em uma disputa direta com sua seguradora ou em uma ação de regresso, é essencial para a sobrevivência e a saúde financeira de qualquer empresa de transporte.