Laudo Pericial de Invalidez: Como Contestar o Laudo da Seguradora

Após meses, talvez anos, de tratamentos, cirurgias, sessões de fisioterapia e a dolorosa constatação de que sua vida profissional, como você a conhecia, foi interrompida por um acidente ou doença, você busca o amparo do seu seguro por invalidez. Você reúne, com esperança, os relatórios do seu médico, os exames de imagem que detalham a lesão, e apresenta tudo à seguradora.

A resposta, no entanto, é um convite para uma perícia com um profissional que você não conhece, indicado por eles. Dias depois, o resultado chega e o chão parece se abrir novamente: o laudo da companhia conclui que sua invalidez é “parcial” e não “total”, que a lesão não se enquadra nos termos da apólice, ou oferece uma indenização irrisória, baseada em um percentual que ignora completamente a sua realidade.

Essa situação, que chamamos de “guerra de laudos”, é o ponto central de quase toda disputa de seguro por invalidez. É um momento em que o segurado se sente profundamente injustiçado e impotente, como se sua dor, sua perda e sua nova realidade estivessem sendo invalidadas e questionadas por um estranho em um documento frio e técnico.

Mas é crucial entender que o laudo da seguradora não é uma sentença final. É uma opinião técnica, produzida por um profissional contratado pela companhia, e que pode – e deve – ser desconstruída com estratégia e conhecimento. A atuação do escritório Nunes Advogados é transformar essa disputa desigual em um debate técnico equilibrado, onde a sua verdade, amparada pela ciência e pelo direito, prevaleça.

Desmistificando a Perícia da Seguradora: Uma Peça no Tabuleiro, Não o Fim do Jogo

O primeiro passo para se defender é compreender a natureza do laudo da seguradora. Ele não é um parecer imparcial. O perito indicado pela companhia, ainda que seja um profissional ético, é contratado com um objetivo específico: avaliar o caso sob a ótica dos interesses e das diretrizes da seguradora. Seu mandato é analisar a lesão à luz das cláusulas restritivas da apólice, muitas vezes buscando enquadrar a situação da forma menos onerosa possível para a empresa que o contratou. Ele não está lá para avaliar o impacto da invalidez na sua vida, mas para verificar se a sua condição se encaixa em uma definição pré-estabelecida no contrato.

Portanto, um laudo desfavorável não significa que sua condição não é grave ou que você não tem direito à indenização. Significa apenas que a primeira batalha foi perdida, mas a guerra está longe de terminar. A legislação brasileira oferece ao segurado ferramentas poderosas para contestar essa avaliação e buscar uma análise verdadeiramente justa e imparcial de sua condição, seja administrativamente ou, como é mais comum, na esfera judicial.

Nivelando o Campo de Batalha: O Papel Essencial do Assistente Técnico

Você não precisa enfrentar o perito da seguradora sozinho. A lei garante a você o direito de nomear um assistente técnico: um médico especialista, de sua total confiança, que atuará como seu “perito particular” em todo o processo. Ele não é apenas um consultor; ele é sua voz técnica na disputa, o profissional que irá traduzir sua realidade médica para a linguagem que a Justiça entende e respeita. A escolha de um bom assistente técnico é, muitas vezes, o fator decisivo para o sucesso da causa.

As funções cruciais do assistente técnico são:

  1. Análise Crítica do Laudo Oficial: Antes de qualquer coisa, ele irá realizar uma autópsia técnica do laudo do perito da seguradora (ou do perito judicial, se o caso já estiver na Justiça). Ele buscará falhas metodológicas, omissões de exames importantes que não foram considerados, contradições com a literatura médica mais atualizada e interpretações equivocadas sobre a sua condição. Ele questionará: o perito realizou todos os testes clínicos necessários? Ele deu o devido peso aos relatórios dos médicos que o acompanham há anos?
  2. Elaboração do Contra-Laudo (Parecer Técnico Divergente): Esta é a sua principal arma. O assistente técnico produzirá um documento robusto, detalhado e cientificamente fundamentado, o “contra-laudo”. Neste parecer, ele não apenas apontará os erros do laudo oficial, mas também construirá a sua própria tese, apresentando os fundamentos médicos que comprovam a sua real condição de invalidez e o porquê de o laudo da seguradora estar tecnicamente incorreto.
  3. Formulação de Quesitos Estratégicos: Antes da realização de qualquer perícia, a defesa elabora “quesitos” – perguntas técnicas e estratégicas que o perito oficial é obrigado a responder por escrito. Quesitos bem formulados, criados em colaboração com o assistente técnico, são como um interrogatório técnico: eles podem expor as fragilidades da tese da seguradora, guiar o raciocínio do perito para os pontos que realmente importam e forçá-lo a se posicionar sobre aspectos que ele poderia convenientemente ignorar.

A Estratégia de Impugnação: Atacando os Pontos Fracos do Laudo

De posse do contra-laudo, a defesa jurídica se materializa em uma impugnação ao laudo pericial, um documento que ataca formalmente a conclusão da seguradora em suas bases técnicas e jurídicas. A argumentação se desdobra em múltiplos pilares:

  • A Disputa Central: Invalidez Funcional vs. Invalidez Laborativa: Este é, frequentemente, o coração da disputa legal. Muitas seguradoras e seus peritos se apegam a um conceito restrito de “invalidez funcional”, que considera apenas a perda de funções fisiológicas básicas (andar, falar, alimentar-se). A defesa, amparada pela jurisprudência moderna, argumenta que o conceito relevante para o seguro de vida é o de “invalidez laborativa”. A pergunta a ser respondida não é “o segurado pode realizar tarefas do dia a dia?”, mas sim “o segurado pode continuar a exercer a sua profissão, aquela que lhe garantia o sustento e para a qual ele se preparou por toda a vida?”. Um cirurgião que perde a firmeza nas mãos, um engenheiro com uma condição que afeta seu raciocínio lógico, ou um representante comercial que não pode mais dirigir por longos períodos estão, para todos os efeitos, 100% inválidos para suas profissões, e é essa realidade que a apólice deve cobrir.
  • Contestação da Metodologia e da Tabela SUSEP: A perícia da seguradora foi completa? O perito utilizou os exames e testes corretos para avaliar sua condição específica? Ele ignorou laudos de outros especialistas ou exames de imagem cruciais que comprovam a extensão da lesão? Muitas apólices também utilizam a tabela da SUSEP para graduar a invalidez em percentuais. A defesa contesta enquadramentos incorretos e argumenta que a tabela deve ser um guia, mas não pode se sobrepor à realidade fática e individual da incapacidade do segurado, especialmente quando ela o impede por completo de trabalhar. A aplicação fria de um percentual que resulta em uma indenização irrisória, ignorando a perda total da capacidade de trabalho, é uma prática abusiva que pode ser vigorosamente combatida.

O Que Fazer: Passos Estratégicos para o Segurado

  1. Prepare-se para a Perícia: Antes de ir à perícia da seguradora, organize toda a sua documentação médica em ordem cronológica: laudos, exames, relatórios de fisioterapia, receitas, etc. Leve tudo com você. Uma pasta bem organizada demonstra seriedade e preparo.
  2. Seja Preciso e Honesto: Durante o exame, descreva suas limitações de forma clara e objetiva. Não exagere, mas também não minimize sua dor ou dificuldade por vergonha ou por achar que “não é tão importante”. Explique como a sua condição afeta não apenas sua vida diária, mas especificamente as tarefas da sua profissão. Dê exemplos concretos: “Eu não consigo mais segurar a ferramenta X”, “Após 30 minutos sentado, a dor na coluna me impede de concentrar”, “Não tenho mais segurança para dirigir e visitar clientes”.
  3. Encare o Laudo como uma Peça do Processo, Não como a Verdade Final: Lembre-se que este é o início da disputa, não o fim. A primeira avaliação é da parte contrária. É natural que ela seja desfavorável. Encará-la como a tese da acusação, que agora você terá a oportunidade de contestar, é a postura mental correta para a longa jornada que pode vir pela frente. A sua resiliência é uma parte importante da estratégia.
  4. Compreenda a Natureza da Disputa: A “guerra de laudos” é uma batalha de narrativas técnicas. De um lado, a narrativa da seguradora, baseada em seu laudo. Do outro, a sua narrativa, que precisa ser construída com igual ou superior rigor técnico e jurídico. O sucesso reside em apresentar uma contra-argumentação tão bem fundamentada que a do perito oficial se torne insustentável perante um juiz.

Não se deixe intimidar por um jargão médico em um laudo desfavorável. Ele é o início de uma discussão técnica, não o fim do seu direito. Com a estratégia correta, é possível reverter a decisão e buscar a indenização integral que você contratou para lhe proteger em um dos momentos mais difíceis da sua vida.