Doença Preexistente em Seguro de Vida: Defesa e Súmula 609 STJ
A carta da seguradora chega como um soco no estômago. Nela, a recusa do pagamento da indenização do seguro de vida, justificada por uma expressão técnica e fria: “doença preexistente”. A mensagem implícita é dolorosa: acusam a pessoa que partiu, ou você que agora luta contra uma invalidez, de ter agido de má-fé, de ter enganado a companhia para obter um contrato. É uma acusação que adiciona o peso da desonra à dor da perda, uma tática que visa não apenas negar um direito, mas desmoralizar quem o busca.
Essa alegação, embora seja a mais comum, é também uma das mais frágeis quando confrontada com o rigor da lei e da jurisprudência. No escritório Nunes Advogados, nossa atuação é desmistificar essa tese, demonstrando que, na grande maioria dos casos, a recusa da seguradora não é apenas injusta, mas flagrantemente ilegal. Este não é o fim da linha; é o começo da sua defesa.
A Inversão da Responsabilidade: De Quem é o Ônus de Avaliar o Risco?
O ponto central da nossa defesa reside em uma pergunta fundamental: quem é o responsável por avaliar a saúde de um proponente a seguro? A seguradora tenta jogar essa responsabilidade para o cliente, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificou o entendimento contrário, protegendo o cidadão comum da complexidade do mercado de seguros.
A lógica é simples: a seguradora é uma empresa especializada, cuja atividade principal é, precisamente, calcular e precificar riscos. Ela possui atuários, analistas e todo um aparato técnico para essa finalidade. O cliente, por outro lado, é um leigo. Portanto, cabe à seguradora, que lucra com a atividade, tomar as devidas precauções para avaliar o risco que está aceitando.
É neste contexto que a Súmula 609 do STJ se torna a principal fortaleza do segurado:
“A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.”
Esta súmula não é apenas um texto legal; é o reconhecimento de que a seguradora não pode se beneficiar da própria negligência. Se, para agilizar suas vendas e reduzir seus custos operacionais, ela opta por uma contratação simplificada, baseada apenas em uma Declaração Pessoal de Saúde (DPS), ela está conscientemente assumindo o risco de segurar alguém cujo estado de saúde ela não conhece em profundidade. Ela não pode, anos depois, usar sua própria conveniência como escudo para negar a indenização no momento em que a família mais precisa. A ausência de um pedido formal de exames prévios é, na prática, uma aceitação do risco no estado em que ele se encontrava.
Desconstruindo a Alegação de Má-Fé: Um Padrão de Prova Elevado
Para que a negativa se sustente, a seguradora precisa provar a má-fé inequívoca do segurado. Este é um padrão de prova extremamente alto e que vai muito além de simplesmente apresentar um laudo antigo ou um exame isolado. A boa-fé em contratos é sempre presumida. A má-fé, por ser uma acusação grave que mancha a memória de uma pessoa, deve ser provada de forma cabal, com documentos e evidências concretas, não com meras suposições.
O que a seguradora precisa provar (e raramente consegue):
- Ciência Plena e Inequívoca do Diagnóstico: Não basta que o segurado tivesse sintomas ou se sentisse mal. Não basta sequer que ele estivesse em tratamento para uma condição. A seguradora precisa comprovar que, no momento da assinatura do contrato, o segurado tinha um diagnóstico médico claro, formal e definitivo sobre sua condição e, mais importante, que ele compreendia a gravidade e as consequências fatais ou incapacitantes dela. Uma pessoa com hipertensão controlada, diabetes tipo 2 ou mesmo um histórico de tratamento oncológico que recebeu alta não tem, necessariamente, a ciência de que sua condição representa um risco iminente que anularia um seguro.
- Omissão Deliberada e Intencional: É preciso comprovar que o segurado, ciente de sua condição, silenciou de forma intencional com o objetivo específico de enganar a seguradora para conseguir o contrato. Muitas vezes, as perguntas na Declaração de Saúde são ambíguas ou genéricas (“Você goza de boa saúde?”). Uma resposta afirmativa de uma pessoa que se sente bem, ainda que tenha uma condição crônica controlada, não é uma mentira; é uma percepção honesta. A má-fé exige o dolo, a intenção de fraudar, e isso precisa ser provado.
Nossa atuação jurídica foca em desafiar a seguradora a cumprir esse ônus probatório. Analisamos minuciosamente o prontuário médico, o histórico de consultas e a própria Declaração Pessoal de Saúde para demonstrar que não houve omissão dolosa, mas sim um retrato fiel do que o segurado sabia (ou não sabia) sobre sua saúde naquele momento.
O Que Fazer Diante de uma Negativa por Doença Preexistente?
- Não Aceite a Decisão como Final: A carta de negativa não é uma sentença. É a posição de uma das partes do contrato, e ela pode e deve ser contestada.
- Reúna a Documentação: Localize a proposta de seguro, a apólice completa e, se possível, a cópia da Declaração Pessoal de Saúde preenchida na época da contratação.
- Não Discuta a “Má-Fé”: Evite entrar em debates subjetivos com a seguradora sobre o que o seu familiar sabia ou não sabia. A discussão a ser travada é técnica e jurídica.
- Busque Assessoria Jurídica Especializada: Um advogado especialista em direito securitário saberá como analisar a documentação, aplicar a Súmula 609 do STJ e construir a notificação extrajudicial que dará início à sua defesa, revertendo o ônus da prova e forçando a seguradora a justificar, perante a Justiça, por que uma promessa formal deve ser quebrada.
Se você recebeu uma negativa por doença preexistente, não carregue o fardo da culpa que a seguradora tenta lhe impor. A lei e a justiça podem estar do seu lado, e nós estamos aqui para garantir que sua voz seja ouvida.
