Quais São os Danos Cobertos Pelo Seguro de Responsabilidade Civil Geral?
Em função do emaranhado de cláusulas que envolve o Seguro de Responsabilidade Civil Geral é extremamente difícil para o segurado, na maioria das vezes leigo no assunto, decifrar o que efetivamente está coberto pela apólice.
As primeiras cláusulas da apólice normalmente tratam do objeto do seguro, prevendo cobertura para danos corporais e/ou materiais causados a terceiros em decorrência de atos culposos praticados pelo segurado, desde ocorridos durante a vigência da apólice. No entanto, algumas cláusulas mais adiante, ou até mesmo nas condições particulares da apólice, é possível constatar uma série de exclusões de cobertura, que em última análise acabam esvaziando coberturas relevantíssimas para os segurados.
Por esta razão, é muito importante analisar todas as hipóteses de exclusão previstas nas condições gerais e especiais do seguro, a fim de evitar surpresas desagradáveis. Mas não é só isso, deve-se ter cautela acerca do sentido das expressões utilizadas na apólice, pois é no momento do sinistro que eventuais expressões dúbias ou obscuras são utilizadas para sustentar eventual negativa de cobertura securitária.
Assim, o segurado deve previamente à contratação do seguro questionar, sempre de forma expressa, o significado e amplitude dos termos e expressões que possam ensejar interpretações equivocadas, a fim de garantir que eventuais sinistros sejam efetivamente cobertos pelo seguro.
Diante dos esclarecimentos acima, convém analisarmos os principais conceitos relacionados à cobertura do Seguro de Responsabilidade Civil Geral:
-
Danos Acidentais
As apólices de Seguro de Responsabilidade Civil Geral costumam conceituar acidente como sendo “todo caso fortuito, especialmente aquele do qual deriva um dano” ou ainda o “acontecimento súbito imprevisto e involuntário do qual resulta um dano causado ao objeto ou pessoa segurada”. Como se pode verificar, trata-se de conceito vago que permite certa dose de subjetivamente em sua interpretação.
O conceito de caso fortuito, por sua vez, é discutido há tempo pela jurisprudência e doutrina. Neste sentido, oportuno destacar a opinião do Ministro Cezar Peluso, que define o caso fortuito como sendo um fato estranho e imprevisível à vontade das partes. A jurisprudência, de um modo geral, considera caso fortuito o evento imprevisível que não decorre da ação humana, decorrente de fato das coisas e da natureza. Trata-se de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação.
De acordo com Walter A. Polido, compreende-se por “dano acidental: todo evento ou acontecimento súbito, imprevisto e extrínseco à pessoa prejudicada ou à coisa danificada. Exemplos: dano elétrico sofrido pela máquina em razão da oscilação de voltagem; queda de tijolos de uma obra em construção; colisão entre veículos; explosão de produto defeituoso”. Por outro lado, de acordo ainda com o referido autor, entende-se por “dano não acidental: todo evento ou acontecimento previsto. O dano não acidental provém de situações plenamente conhecidas e esperadas. O seu aparecimento pode se materializar de forma súbita ou gradual. É aquele dano que para se configurar praticamente não existe qualquer tipo de álea ou incerteza quanto à ocorrência dele, uma vez que fatalmente acontecerá. O único grau de incerteza, se houver, repousa no período de tempo do qual se caracterizará. (…) Exemplos: corrosão de tanque de ferro sem proteção adequada; (…) desgaste de correias e engrenagens”. (Polido. Walter A. Seguros de responsabilidade civil: manual prático e teórico, Curitiba: Juruá, 2013, p. 389 e 390.) (destaques nossos)
A fim de que fique evidente, sob o ponto de vista prático, as principais diferenças entre causa acidental e causa não acidental, tomemos como exemplo a situação de uma empresa que forneça concreto para grandes obras de infraestrutura. Partindo-se do pressuposto que o concreto é formado por uma massa composta de cimento, água, areia e aditivos, e que estes componentes são misturados de forma automática por um grande equipamento automatizado, e devido a um problema técnico na balança do maquinário, que efetua a pesagem e posterior mistura de cada um dos componentes do concreto, tenha sido adicionado uma quantia superior de aditivo, diferentemente da fórmula inicialmente planejada, fato este que acabou comprometendo a qualidade do concreto. Imaginemos que este equívoco não fosse possível de ser constatado a olho nu e que o traço do concreto (isto é, a receita de mistura) estivesse em perfeita consonância com os padrões técnicos exigidos. Além disso, consideremos que o misturador não havia acusado, durante o processo de fabricação, qualquer irregularidade, tendo a falha sido descoberta somente após a completa secagem do concreto, fato este, a propósito, que leva em média 28 dias. Neste caso, estaríamos diante de um dano acidental, causado pelo descalibramento da balança automática, sem qualquer relação com o desgaste ou falta de manutenção do equipamento, representando, portanto, um acidente nos termos do conceito acima mencionado.
De qualquer sorte, é importante que se tenha em mente que as apólices de RC Geral normalmente excluem cobertura para danos causados pelo manuseio, uso ou por imperfeição de produtos fabricados, vendidos, negociados ou distribuídos pelo segurado, para estes casos há necessidade da contratação da cobertura adicional de RC Produtos.
O que se quis demonstrar por intermédio do exemplo acima é a forma como o conceito de acidente deve ser interpretado à luz do seguro de Responsabilidade Civil Geral, eis que nem sempre haverá um acidente externo dentro daquela perspectiva mais catastrófica como se vê normalmente em outras modalidades de seguro, tais como explosões, desmoronamentos, rompimentos de barragens etc.
Em suma, é imperioso ressaltar que o Seguro de Reponsabilidade Civil Geral, a priori, cobre apenas danos acidentais, ficando de fora, portanto, de sua abrangência riscos não acidentais, tendo por base os conceitos acima descritos.
Ademais, é de extrema relevância o conhecimento prévio e adequado dos riscos a que o segurado está adstrito, de forma a adequar o clausulado da apólice à sua realidade, devendo a apólice abranger todas as situações passíveis de cobertura securitária. Por esta razão, é essencial a participação de um corretor especializado e, conforme o caso, de um advogado com experiência no mercado de seguros, notadamente em seguros de responsabilidade civil, a fim de evitar surpresas desagradáveis, principalmente em decorrência da falta de cobertura na eventualidade de ocorrer um sinistro.
-
Danos Pessoais ou Corporais
De acordo com algumas apólices, compreende “toda ofensa causada à normalidade funcional do corpo humano, dos pontos de vista anatômico, fisiológico e/ou mental, incluídas as doenças, a invalidez, temporária ou permanente, e a morte”. Por outro lado, “não estão abrangidos por esta definição os danos morais, os danos estéticos, e os danos materiais, embora, em geral, tais danos possam ocorrer em conjunto com os danos corporais, ou em consequência destes”.
No entanto, apesar das apólices de seguros estabelecerem que dentro do conceito de danos pessoais ou corporais não estariam abrangidos os danos morais, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “entende-se incluídos nos chamados danos corporais contratualmente cobertos, a lesão moral decorrente do sofrimento e angústia da vítima de acidente de trânsito, para fins de indenização securitária. (STJ – AgRg no Ag: 935821 MG 2007/0099753-8, Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior, data de julgamento: 06/12/2007, T4 – Quarta Turma, data de publicação: DJ 17.03.2008 p. 1) (destaques nossos).
-
Danos Materiais ou Patrimoniais
Enquadra-se neste conceito, de acordo com algumas apólices existentes no mercado, “toda alteração de um bem tangível ou corpóreo que reduza ou anule seu valor econômico, como, por exemplo, deterioração, estrago, inutilização, destruição ou extravio. Não se enquadram neste conceito a redução ou a eliminação de disponibilidades financeiras já existentes, tais como dinheiro, créditos, e/ou valores mobiliários, que são consideradas ‘prejuízo financeiro’. A redução ou a eliminação da expectativa de lucros ou ganhos de dinheiro e/ou valores mobiliários também não se enquadra na definição de dano material, mas sim na de ‘perdas financeiras’”.
Portanto, conforme se pode verificar, algumas apólices não incluem o conceito de ‘perdas financeiras’ (i.e., lucros cessantes) na definição de danos materiais. Apesar deste fato, é comum as apólices oferecerem cobertura para lucros cessantes, desde estes prejuízos sejam decorrentes de um dano corporal e/ou dano material coberto pelo seguro.
É importante que fique claro que tanto os danos materiais ou patrimoniais quanto as perdas financeiras dizem respeito única e exclusivamente a terceiros. Portanto, não há que se falar em cobertura securitária para os bens pertencentes ao próprio segurado ou ainda à indenização por lucros cessantes decorrente da paralização de suas atividades.
-
Danos Morais
O dano moral, de acordo com algumas apólices, é compreendido como toda “lesão, praticada por outrem, ao patrimônio psíquico ou à dignidade da pessoa, ou, mais amplamente, aos direitos da personalidade, causando sofrimento psíquico, constrangimento, desconforto, e/ou humilhação, independente da ocorrência conjunta de danos materiais, corporais, ou estéticos. Para as pessoas jurídicas, o dano moral está associado a ofensas ao nome ou à imagem da empresa, normalmente gerando perdas financeiras indiretas, não contabilizáveis, independente da ocorrência de outros danos”.
Convém elucidar que o dano moral, via de regra, está excluído da abrangência do seguro. No entanto, por meio do pagamento de prêmio adicional é possível contratar cobertura para danos morais.
Esclareça-se que o dano moral não atinge necessariamente o patrimônio do terceiro prejudicado, e de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moraloriundos do mesmo fato” (Súmula 37 do STJ).
Não obstante, “é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral” (Súmula 387 do STJ)
Por fim, é imperioso mencionar que, de acordo com a Súmula 227 do STJ, “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. No entanto, o próprio STJ deixou claro que isso somente ocorre na hipótese em que haja ferimento à sua honra objetiva (i.e., à reputação, aquilo que os outros pensam a seu respeito; o conceito que a pessoa goza perante a comunidade em que está inserida).
Portanto, deve-se sopesar a eventual conveniência em se contratar esta cobertura adicional.
-
Danos estéticos
Conforme definição constante em algumas apólices, o dano estético “é o tipo de dano físico/corporal, causado à pessoa física, que, embora não acarretando sequelas que interfiram no funcionamento do organismo, implicam redução ou eliminação dos padrões de beleza.”